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Foto: Misael Moreno / Unsplash

Por que alguns vírus sofrem mais mutações que outros?

Pesquisadores descobriram agora uma versão mais transmissível do HIV, enquanto o coronavírus está na quinta variante de preocupação; entenda a diferença   Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein   Pesquisadores holandeses anunciaram recentemente terem descoberto uma nova variante mais transmissível e mais contagiosa do HIV. Segundo eles, as pessoas com o novo subtipo do vírus [...]

26/04/2022 08h00 Atualizado há 702 dias

Pesquisadores descobriram agora uma versão mais transmissível do HIV, enquanto o coronavírus está na quinta variante de preocupação; entenda a diferença

 

Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein

Pesquisadores holandeses anunciaram recentemente terem descoberto uma nova variante mais transmissível e mais contagiosa do HIV. Segundo eles, as pessoas com o novo subtipo do vírus – que recebeu o nome de VB – teriam cargas virais mais altas (quantidade de vírus no sangue); o dobro de risco de declínio do sistema imunológico (contagem das células CD4) e seriam vulneráveis a desenvolverem Aids mais rápido do que as pessoas infectadas com as cepas já conhecidas. Ao menos 109 pessoas foram identificadas com esse novo subtipo.

Diante da descoberta, uma pergunta que surge é: por que alguns vírus sofrem mais mutações do que outros? Por que o SARS-CoV2, causador da covid-19, tem mais variantes do que o HIV, sendo que está em circulação há menos tempo?

“Todos os vírus apresentam mutações que são importantes para a sua sobrevivência porque eles precisam se adaptar ao ambiente para continuar vivendo. Então todos os seres vivos, inclusive os vírus, sofrem mutações ao longo do tempo”, explica João Renato Rebello Pinho, coordenador-médico do Setor de Pesquisa e Desenvolvimento do Laboratório Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein.

Segundo Pinho, os vírus possuem o material genético formado por DNA ou por RNA – e esta é a primeira diferença, já que os vírus de RNA, em geral, apresentam uma taxa de mutação maior do que os vírus de DNA. “A não ser o caso do HIV, para complicar um pouco, que é um retrovírus. O material genético dele é RNA, mas ele se integra nas células humanas na forma de DNA”, detalha.

Ao se replicarem, o processo envolve algumas enzimas, que são codificadas, e podem ocorrer erros – as chamadas mutações. No caso do HIV, essa enzima é a transcriptase reversa, que transforma o RNA em DNA. Já o SARS-CoV-2 é um vírus RNA que se replica por meio de uma enzima chamada RNA polimerase, que até tem a capacidade de corrigir os erros de replicação, mas o nível de mutações é tão grande que nem sempre se consegue corrigir todas.

“Para o vírus é uma grande vantagem essa capacidade de mutação porque ele pode criar formas de escapar do sistema imunológico. Um único vírus gera milhares de cópias dele mesmo, então ele terá milhares de cópias com algumas mutações. Algumas delas serão silenciosas e não modificarão em nada o que vai acontecer depois, mas outras podem ter relevância em regiões importantes, que são reconhecidas pelo sistema imune para fazer com que a resposta imunológica entre em ação”, explica o especialista.

Sobre a descoberta da nova variante do HIV na Holanda, demorou anos para ter uma mutação importante porque há diferenças no mecanismo de transmissão, em comparação com os vírus respiratórios, que se espalham de maneira mais rápida e fácil, como o caso dos coronavírus. “O HIV é um vírus de transmissão basicamente por meio da relação sexual. Isso é um problema muito importante, mas não é um vírus que passa pelo ar, que tem um potencial de transmissão e de mutação muito maior”, explica.

Pinho lembra que as mutações fazem parte de um processo evolutivo, já que os vírus precisam dessas adaptações para sobreviverem. “Isso já vinha acontecendo antes, com genótipos diferentes do HIV. Era algo esperado. Quem trabalha com doenças infecciosas sabe que é muito importante ter essa vigilância epidemiológica constante não apenas para vírus, mas também para fungos e bactérias que possuem uma taxa de mutação menor do que os vírus, mas que são importantes porque podem desenvolver resistência às opções terapêuticas existentes”, alerta.

Diferentes hospedeiros

 

Outro vírus com alta capacidade de mutação é o da influenza – causador da gripe. Segundo Pinho, o genoma desse vírus é formado por oito segmentos independentes de RNA, o que possibilita infecções com combinações diferentes e o que justifica a constante vigilância e atualização da vacina anualmente. “Cada segmento tem proteínas diferentes e pode ainda trocar mais facilmente de hospedeiro. Infecta uma ave, depois o porco e, de repente, pode infectar o ser humano. Ele cria diferentes mecanismo para sobreviver”, afirma.

O SARS-CoV-2 e os coronavírus em geral também são vírus que infectam uma grande espécie de mamíferos e aves. A lógica, segundo Pinho, é que eles têm uma alta capacidade de se adaptar a diferentes hospedeiros. “Para comparação, o genoma do HIV tem cerca de 10 mil pares de base e o genoma do SARS-CoV-2 tem 30 mil pares de base. Estes fazem com que [o vírus] tenha vários genes que garantam a capacidade de replicação em um grande número de células, em diferentes tipos de hospedeiros. Por isso teve um salto tão grande do morcego para o ser humano.”

Pinho reforça que as doenças infecciosas jamais acabarão porque os vírus estarão sempre em constante mutação para sobrevivência. “Essa é uma característica da Biologia. Vírus existem, querem sobreviver e possuem diferentes formas para se manterem”, completa.

(Fonte: Agência Einstein)

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