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Uma única droga para diferentes tipos de câncer

Uma nova classe de medicamentos promete revolucionar o tratamento de tumores com menos efeitos colaterais e mais qualidade de vida para os pacientes, de crianças a adultos

18/10/2019 09h00 Atualizado há 4 anos

Por Fábio de Oliveira, da Agência Einstein

Parece aquele tipo de filme ou documentário que mostra moléculas do corpo humano cuja existência nem cogitamos imaginar. Mas isso tem sido uma realidade na oncologia, área agraciada com medicamentos capazes de agir sobre características específicas de cada tumor. Agora, a medicina dá o segundo passo neste sentido: novos remédios atuam sobre um alvo que é específico, como os disponíveis, mas que também é comum a vários tipos de câncer e não somente a um deles. Os medicamentos são representantes da chamada terapia agnóstica, assim denominada porque o tratamento independe da localização do câncer. “São drogas que não têm como alvo um tumor, mas um tipo de alteração molecular”, explica a oncologista clínica Clarissa Mathias, da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). O foco são mutações que estão por trás da origem e sobrevida do tumor.

Por enquanto, são poucas as medicações do gênero. No Brasil, o primeiro a ser aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é o larotrectinibe, do laboratório Bayer. Ele foi liberado em julho e tem previsão de chegada ao País até o final do ano. O Brasil foi o segundo país no mundo a aprová-lo. O medicamento age em um tipo de câncer resultante da fusão anômala de dois genes: um chamado de NTRK e outro não relacionado. Dessa união, surge outra molécula, a proteína de fusão TRK (receptor de tropomiosina quinase, em português). “É uma mutação rara”, conta a oncologista Ana Paula Garcia Cardoso, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Rara, porém presente em mais de 20 tumores diferentes, como fibrossarcoma infantil, de pulmão, tireoide, colorretal e sarcomas. Ou seja, está associada a tipos de câncer que acometem crianças e também adultos.

As proteínas de fusão TRK promovem o crescimento celular e prolongam a vida tumoral. Os especialistas as classificam como drivers tumorais. Dito de outra forma, agem como gatilhos para que a doença surja e se desenvolva. É aí que entra em cena o larotrectinibe. A droga atua diretamente na mutação. “O remédio se torna mais importante que o nome da doença”, afirma Ana Paula Garcia Cardoso. O Vitrakvi, nome comercial do medicamento, é o primeiro inibidor seletivo de TRK para o tratamento de câncer com fusão TRK. Nos estudos clínicos realizados com pacientes, independentemente da idade, a resposta foi mais do que favorável: 75% de eficácia, sendo 13% completas. Foram registrados poucos efeitos colaterais, como cansaço e tontura. A medicação é oral e só pode ser indicada depois de a pessoa ser submetida a testes genômicos para identificar a fusão do gene NTRK no tumor.

O pequeno Levy, de 2 anos, foi um dos beneficiados pela nova droga. Morador de Brasília, ele foi diagnosticado com fibrossarcoma infantil, um tumor que se desenvolveu entre o olho e o cérebro. Foram meses até que se chegasse ao diagnóstico, entremeados por um tratamento inicial à base de quimioterapia que debilitou bastante o menino. Com o larotrectinibe, o tumor encolheu 70%. Levy agora brinca na lama, na chuva, como qualquer garoto de sua idade. O próximo passo será a cirurgia para remover o tumor. “O remédio é para 1% da população, mas para mim é como se fosse para 100% porque é meu filho”, diz a cardiologista Monique Batista Nogueira Moura, 36 anos.

Outra droga agnóstica aprovada recentemente foi o entrectinibe, do laboratório Roche. Ela recebeu o sinal da Food and Drug Administration, agência americana que regula remédios e alimentos nos Estados Unidos, em agosto, dois meses depois de ser liberada no Japão. “O entrectinibe age em uma mutação no gene ROS1, presente no câncer de pulmão de células não pequenas”, explica Ana Paula Garcia Cardoso, do Einstein. A indicação é para adultos na fase metastática da doença, quando já se alastrou no organismo. “Embora possa ser encontrada em qualquer paciente com esse tipo de câncer, a maior incidência de alterações no ROS1 é em tumores de pacientes jovens que nunca fumaram”, revela Lenio Alvarenga, diretor médico da Roche no Brasil. “Estamos trabalhando para que essa inovação também chegue em breve ao Brasil.” No caso desta forma de câncer de pulmão, o medicamento encolheu os tumores em 78% das pessoas com a doença e a duração da resposta variou de 1,8 a 36,8 meses. Quatro estudos realizados em 15 países e em mais de 150 centros de pesquisa serviram de base para o aval.

A FDA concedeu ainda aprovação acelerada – trâmite que prioriza a análise de terapia de grande relevância para os pacientes, também concedido ao larotrectinibe – para o tratamento de pacientes a partir de 12 anos de idade com tumores sólidos, como o de tireoide a e pâncreas que apresentam a fusão genética NTRK. O entrectinibe diminuiu o tamanho dessas formas de câncer, localmente avançados ou que já haviam se espalhado pelo corpo, em mais da metade dos indivíduos em que a mutação foi detectada. “Respostas objetivas foram observadas em 10 tipos de tumores, assim como em pessoas com metástases no sistema nervoso central”, diz Alvarenga.

 (Fonte: Agência Einstein)

 

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