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Sono ruim afeta todo o corpo

Noites mal dormidas prejudicam o metabolismo, favorecendo o desenvolvimento da obesidade e da diabetes

25/09/2019 00h10 Atualizado há 4 anos

Por Fábio de Oliveira, da Agência Einstein

Em inglês, binge watching. Em tradução livre para o português, maratonar para ver todos os episódios da série favorita. Pois esta jornada para ficar de olhos bem abertos durante a noite pode afetar nossa saciedade e fazer com que o corpo metabolize a gordura dos alimentos de uma forma diferente. Bastam alguns dias para que isso ocorra. É o que revela uma pesquisa publicada no periódico científico Journal of Lipid Research.

Já se sabia que podar as horas de sono de forma crônica aumentava e muito o risco de obesidade e de diabetes. Trabalhos anteriores miravam o metabolismo da glicose, o açúcar que viaja no sangue e é uma das principais fontes de energia do organismo. Esse fator é preponderante nos casos de diabetes. O que pouca gente havia pesquisado era justamente como isso influía na digestão da gordura proveniente da comida. Foi o que os cientistas da Penn State University, nos Estados Unidos, os autores do estudo, fizeram.

Eles recrutaram 15 homens saudáveis com 20 e tantos anos. Depois de passarem uma semana dormindo o quanto quisessem em casa, eles foram convidados a repousar durante 10 noites em um laboratório que avalia o sono. Em metade desse período, os voluntários não ficaram mais do cinco horas na cama. Depois de quatro noites mal dormidas, comeram no jantar um bowl com um chili bem gorduroso – 506 gramas fornecem 728 calorias, de acordo com a tabela nutricional de uma marca americana. Foi uma estratégia dos pesquisadores para avaliar como o cronograma noturno desconfortável afetava o metabolismo. A maioria dos participantes se sentiu menos satisfeita com a refeição bastante calórica quando repousaram por menos tempo em comparação com um bom descanso debaixo das cobertas.

Os estudiosos também compararam amostras de sangue dos participantes. Resultado: a restrição de sono levou a uma maior liberação de gordura na corrente sanguínea depois de uma refeição. No final das contas, isso pode favorecer o ganho de peso. “As gorduras não estavam evaporando, estavam sendo estocadas”, disse Orfeu Buxton, um dos autores do novo estudo. Mesmo depois de poderem dormir à vontade, o metabolismo de gordura dos voluntários melhorou, mas nada comparado ao nível saudável.

Mais dor

Se para desregular a digestão de gordura algumas noites de sono curto são necessárias, uma só é suficiente para aumentar a sensação de dor. É o que sugerem duas pesquisas publicadas no periódico Journal of Neuroscience. Em um deles, jovens adultos foram mantidos despertos num laboratório. Sua massa cinzenta foi escrutinada durante uma tarefa que causava uma sensação dolorosa. Houve aumento de atividade cerebral nas regiões sensíveis à dor (o córtex somatossensorial primário) e diminuição nas áreas responsáveis por modular como percebemos esse tipo de estímulo (corpo estriado e córtex insular). No outro estudo, que foi realizado online, os participantes relataram sentir mais dor ao longo do dia depois de uma noite mal dormida.

Um baita cansaço

Além dos quilos a mais e da dor, postergar a hora de desligar na cama, mas acordar no mesmo horário de sempre acaba nos deixando fatigados. De acordo com Leonardo Ierardi Goulart, neurologista especializado em sono do Hospital Israelita Albert Einstein, a sensação de sono não reparador pela manhã é um sintoma muito frequente. Talvez mais até do que a insônia.

O que deveríamos fazer é respeitar o nosso apagão noturno, sem interrupção, criando as condições necessárias para que ele aconteça naturalmente. Isso porque, segundo Goulart, esse estado de repouso nos prepara para a vigília, ou seja, para quando estamos de pé. Nas horas em que permanecemos, por assim dizer, naturalmente fora do ar, entra em ação todo um processo para sanar os danos sofridos pelo organismo durante a jornada. “Repara-se a inflamação nas células”, diz. O GH, o hormônio do crescimento, por exemplo, é liberado na calada da noite para renovar os tecidos.

Não à toa, doenças crônicas como diabetes e hipertensão arterial são mais frequentes em quem não dorme adequadamente – sem falar em problemas emocionais e na capacidade de raciocinar. Por falar em diabetes, um estudo publicado no periódico Menopause, da The North American Menopause Society (NAMS), mostra que mulheres com essa enfermidade têm mais problemas de sono durante a fase de transição da menopausa. Devido aos suores noturnos e fogachos típicos do período, 42% das mulheres na pré-menopausa e 60% na pós-menopausa afirmam ter dificuldades para dormir. Mas para as diabéticas do tipo 2, a situação pode ser pior em razão dos sintomas da doença e das medicações usadas no tratamento, que causam, por exemplo, aumento da vontade de urinar, em alguns casos várias vezes à noite. O descanso acaba prejudicado.

A geração da tela

Adiar a hora de dormir também tem se tornado frequente entre pré-adolescentes. A culpa pode ser atribuída aos celulares, tablets e à TV. Pesquisadores de instituições como University of Lincoln, Imperial College London, Birkbeck, University of London e Instituto de Saúde Pública e Tropical na Basileia, na Suíça, trouxeram à tona que jovens que usam esses aparelhos e afins no escuro uma hora antes de ir para a cama correm mais risco de não dormirem o suficiente. E isso está associado a queda nas defesas do corpo, depressão, ansiedade e obesidade em crianças e adolescentes.

Foram analisados dados de 6.616 teens entre 11 e 12 anos. Mais de 70% deles disseram usar um dispositivo com tela cerca de uma hora antes de dormirem. De acordo com os resultados, 31% dos que utilizavam as engenhocas com a luz acesa apresentaram a probabilidade de dormirem menos do que os, digamos, sem tela. Na turma que se vale do celular no escurinho, o número foi impressionante: 147%. “Nossos achados são significativos não apenas para os pais, mas também para professores, profissionais de saúde e os próprios adolescentes. Recomendamos que eles tomem conhecimento dos possíveis problemas em torno do uso desses dispositivos com tela durante a hora de dormir, incluindo sono insuficiente e de baixa qualidade”, disse Michael Mireku, líder do trabalho.

Melatonina

O corpo recebe o sinal de que está chegando o momento de dormir entre 19h e 22h por meio de uma substância mensageira: a melatonina, um hormônio liberado pela glândula pineal, que fica localizada no cérebro. “Quase todas as células têm um receptor para ela”, fala Goulart. Seria como se ela deixasse todo o organismo sincronizado e avisado de que a hora do sono está chegando. Dessa forma, nosso estado de alerta tende a diminuir. A versão sintética é indicada para acertar os ponteiros do relógio biológico, ou seja, para aquelas pessoas que só conseguem ter sono às 2h da manhã, por exemplo.

(Fonte: Agência Einstein)

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