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Foto: Daniel Reche por Pixabay

Precisamos falar sobre depressão

A doença acomete mais de 12 milhões de brasileiros e 322 milhões de pessoas no mundo. No entanto, o tabu em abordá-la ainda persiste, o que leva muita gente a ainda considerar a enfermidade frescura ou preguiça. Depoimentos de pessoas famosas, como o humorista Whindersson Nunes e o nadador Michael Phelps, ajudam a reduzir o estigma

30/09/2019 11h45 Atualizado há 4 anos

Por Cristiane Bomfim, da Agência Einstein

Em abril deste ano, o humorista e youtuber Whindersson Nunes, 24 anos, anunciou em suas redes sociais que estava doente. Afastou-se por três meses do trabalho e dos holofotes para cuidar da saúde. A doença de Whinderssson é a depressão, mal que, sem distinguir classe, gênero ou raça, acomete mais de 12 milhões de brasileiros e 322 milhões de pessoas no planeta, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Três meses depois, o comediante voltou à cena e amplificou a discussão sobre o transtorno depressivo. “É fundamental pedir ajuda. Quem tem dor de dente vai fazer canal. Quem sofre do coração coloca marca-passo, se for preciso. Temos de tratar as doenças da cabeça da mesma forma. Elas também são urgentes”, ponderou o comediante em entrevista sobre o tema. Whindersson não é a primeira celebridade a sofrer com o problema e assumi-lo publicamente.  Na lista estão nomes como o ator americano Jim Carey, o fenômeno da natação mundial Michael Phelps, o ginasta Diego Hypólito e a cantora Zizi Possi. Os padres Fábio de Melo e Marcelo Rossi também sofreram e se posicionaram sobre o assunto.

Cada vez que alguém famoso vem a público revelar que sofre ou sofreu com a depressão ajuda a quebrar mais um pouco o estigma que ainda existe sobre a doença. Por falta de informação, muita gente – profissionais de saúde aqui incluídos – não compreende que se trata de uma doença, como qualquer outra, e não preguiça, fragilidade ou fingimento. Como toda enfermidade, precisa ser prevenida, diagnosticada e tratada. E o doente, em vez de preconceito, deve receber ajuda. Quando ídolos – pessoas bem-sucedidas que parecem acima de qualquer adversidade – admitem ter sido vítimas da doença, melhor ainda. “O posicionamento deles funciona como uma abertura de horizontes”, afirma o psiquiatra Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação dos Psiquiatras da América Latina (APL) e superintendente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). “É uma forma de mostrar que ninguém está livre de ter depressão. As revelações também fazem as pessoas procurarem ajuda. Elas pensam: ‘olha, aquele cantor sente as mesmas coisas que eu”, completa o especialista. Além disso, a repercussão alerta familiares e amigos para reconhecer as mudanças de comportamento de quem sofre da doença. Em vez de recriminarem, oferecem suporte.

O preconceito ainda é a principal barreira para o diagnóstico correto e o tratamento. Muitas vezes, o próprio paciente tem dificuldade de entender o que está acontecendo. A dentista Edna Sawazachi Valadares, de 63 anos, mineira de Frutal que mora em São José dos Campos (SP), não sabia que estava doente quando ficou sem energia para as tarefas cotidianas e sem vontade de viver. “Antes de ter a doença, eu achava que o quadro de sintomas era frescura de quem não tem o que fazer”, diz.

 

Ranqueada pela OMS como o maior contribuinte no mundo para a incapacitação de pessoas e apontada como principal motivo de afastamentos do trabalho já em 2020, a depressão é um transtorno psiquiátrico de humor caracterizado principalmente pela tristeza e desesperança excessivas, além da perda de interesse ou prazer, sentimento de culpa e baixa autoestima. Ela vem acompanhada de sintomas físicos como perturbações no sono (insônia ou o quadro inverso) e no apetite, cansaço e falta de concentração. Sua manifestação é caracterizada por uma disfunção bioquímica no cérebro que desregula o funcionamento das substâncias serotonina, noradrenalina e dopamina. Elas são neurotransmissores, compostos responsáveis pela transmissão de informação entre os neurônios.  Estão envolvidas nos processos de regulação das sensações de bem-estar, prazer, alerta e motivação, respectivamente. Quem tem parentes de primeiro grau que desenvolveram a doença apresentam 50% mais risco de ser acometido pelo distúrbio.

Suas causas são multifatoriais. Envolvem predisposição genética, condições ambientais e histórico de vida. “Eventos da vida, como perda de um ente querido por morte ou separação, dificuldades financeiras, grandes decepções ou doenças podem desencadear uma depressão”, explica a psicóloga Ana Merzel Kernkraut, do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo. “Isso depende da maneira como cada um lida com as adversidades. Não existe uma regra.” No entanto, é importante saber que acontecimentos adversos podem ser gatilhos para o surgimento ou agravamento de crises, mas não são decisivos para isto. Os casos relatados por pessoas como Michael Phelps, por exemplo, deixam isto claro. Por que, afinal, o maior nadador de todos os tempos teria depressão? Porque depressão não atinge somente pessoas com problemas financeiros, de carreira profissional ou de saúde.

Os tipos de depressão e tratamentos

 

Pessoas com depressão leve podem ter alguma dificuldade em manter em dia as atividades sociais e profissionais, mas provavelmente não terão prejuízos mais comprometedores. “Em muitos casos, o indivíduo acaba preferindo as atividades obrigatórias e deixando o que dá prazer de lado. Ele não vê muito graça nas coisas, mas acha que é uma fase”, explica a psicóloga Ana Merzel. Normalmente, os quadros leves requerem apenas tratamento terapêutico, ou seja, sessões de terapia para um melhor entendimento das situações adversas e como lidar com elas.

Nos estágios moderado e grave – sendo este último o mais preocupante –, é comum a indicação de medicamentos antidepressivos que agem no sistema nervoso para regular o fluxo dos neurotransmissores. A medicação é acompanhada por sessões de terapia. Em episódios graves, a probabilidade de que se continue com suas atividades profissionais, sociais e domésticas são mínimas. “Os sentimentos de mal-estar, de tristeza e de culpa são gigantescos, impeditivos e estão, frequentemente, relacionados às ideias de auto eliminação. O indivíduo só quer morrer”, explica o psiquiatra Alfredo Maluf, da Universidade Federal de São Paulo. Os episódios depressivos podem ser crônicos – quando acontecem durante um longo período e há recaídas quando não tratados. Ou recorrentes, acontecendo repetidamente.

É possível reduzir o risco de ter uma depressão. Segundo especialistas, as formas de prevenção estão muito ligadas à qualidade no dia a dia. Manter equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional, praticar uma atividade física que dê prazer, ter uma rede social de apoio são fatores importantes. Autoconhecimento e algum entendimento sobre a doença também ajudam. Por isto, é urgente: precisamos falar sobre depressão.

(Fonte: Agência Einstein)

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