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Por que os casos de sífilis crescem no Brasil

Situação preocupa médicos e serviços de saúde. Principal causa do aumento da doença é o sexo sem proteção

31/10/2019 09h00 Atualizado há 4 anos

Por Cristiane Bomfim, da Agência Einstein

O aumento dos casos de sífilis, infecção sexualmente transmissível, tem alarmado médicos e serviços públicos de saúde no país. Só em 2018 foram registrados 158.051 casos do tipo adquirido, ou seja, por meio de relações sexuais. Esse número equivale a uma média de 433 pessoas contaminadas por dia. Entre 2017 e o ano passado, o crescimento da doença foi de 28,3%, passando de 59,1 para 75,8 registros por 100 mil habitantes, de acordo com dados divulgados pelo Ministério da Saúde. Para ter ideia, em 2015 esse número era de 34,1 casos por 100 mil. A maior parte das notificações ocorreu em pessoas entre 20 e 29 anos (35,1%), sendo 163,3 casos por 100 mil habitantes, seguidos pelo grupo entre 30 e 39 anos (21,5%). Mas, segundo o Ministério, houve um incremento da detecção em todas as faixas etárias.

Um dos motivos para essa alta é que os jovens estão deixando de usar preservativo. “As pessoas estão mais confiantes de não contrair doenças, mesmo porque a Aids, que no passado matou tanta gente, hoje tem tratamento. Menos de 70% dos brasileiros usam camisinha e isso justifica o aumento das infecções sexualmente transmissíveis”, explica o ginecologista e vice-presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, Sérgio Podgaec.

No fim do ano passado, uma pesquisa realizada pela DKT Internacional, empresa fabricante de preservativos, com 1.500 brasileiros identificou que 47% dos jovens entre 14 e 24 anos não costumam usar camisinha nas relações sexuais. Outro estudo, este de 2016, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com 102.301 alunos do 9º ano do ensino fundamental, ou seja, com idade entre 14 e 15 anos, mostrou que apenas 66,2% usaram o preservativo na última relação. “O que as pessoas esquecem é que a camisinha protege não só contra a Aids. Ela é a prevenção mais eficaz para sífilis, HPV, gonorreia e clamídia”, alerta o médico.

Causada pela bactéria Treponema Pallidum, a sífilis é uma doença infecciosa transmitida pelo sexo ou da mãe para o filho. Ela acontece em quatro estágios diferentes. Na primeira fase, aparecem nódulos na região genital, ânus ou boca. Na seguinte, surgem manchas na pele que podem estar associadas a febre, dor de cabeça e perda de peso. Muitas vezes, essas úlceras são confundidas com alergia. “O terceiro estágio da doença é o mais grave e pode causar danos ao coração e afetar o sistema nervoso central”, explica Podgaec.

Santa Catarina tem mais casos para 100 mil habitantes

O estado de Santa Catarina é com a maior taxa de detecção da sífilis, segundo dados do Ministério da Saúde. Para cada 100 mil habitantes, 164,1 têm a doença. No total, são 11.611 infectados. Na contramão, Alagoas é com o menor índice: 16,1 para cada 100 mil pessoas, totalizando 535 casos em todo o estado.

São Paulo

No Sudeste, o menor índice é de Minas Gerais, com 68,3 casos para 100 mil habitantes, seguido por São Paulo, onde a taxa é de 82,1 para 100 mil habitantes. Entre 2010, quando as notificações passaram a ser compulsórias, e dezembro de 2018, o estado registrou 201.250 casos de sífilis adquirida, com taxas que cresceram ano a ano. “Esse aumento nos números da doença não quer necessariamente dizer que as pessoas estão se contaminando mais e, sim, que a documentação dos casos está ficando mais eficiente e virando rotina no dia a dia das vigilâncias”, explica a coordenadora das Ações para Eliminação da Transmissão Vertical de HIV e Sífilis do Programa do Estado de São Paulo de DST-Aids, Carmen Sílvia Bruniera Domingues.

De acordo com ela, o sistema de notificação teve uma melhora expressiva em São Paulo nos anos de 2015 e 2016, o que ajudou na implantação da Semana Paulista Contra a Sífilis em 2006. O programa de conscientização tem mirado principalmente a detecção de sífilis em gestantes. As notificações de grávidas com a doença no estado subiram de 10.723 casos em 2017 para 12.232 em 2018. “O aumento dos registros é bom porque mostra que estamos identificando e tratando essas mulheres para proteger seus bebês”, afirma Carmen Sílvia. Com isso, o estado também conseguiu reduzir de 6,7% para 6,5% a taxa de sífilis para cada 1.000 nascidos de 2017 para 2018. Outros oito estados diminuíram esse índice: Amazonas (de 10,3 para 9,9), Espírito Santo (de 11,5 para 10), Rio Grande do Sul (de 14,3 para 13,9) e Mato Grosso (de 4,5 para 3,6).

A sífilis congênita, quando a doença é transmitida da mãe para o bebê durante a gestação, tem consequências graves se não bem cuidada. Entre os riscos estão falhas na dentição, problemas nos ossos, cegueira, surdez e até problemas no sistema nervoso. Mas, apesar da gravidade, os números de recém-nascidos diagnosticados com a sífilis crescem ano a ano. Em 2018, foram 26.219 casos – com uma taxa de incidência de 9 casos por 1.000 nascidos vivos. Em 2010, por exemplo, foram registrados 2,4 recém-nascidos com sífilis congênita para cada 100 mil habitantes.

O aumento de recém-nascidos com sífilis é reflexo do número de gestantes contaminadas no país. No ano passado foram 62.599, 25,7% a mais do que em 2017 e quase seis vezes mais que em 2010 (quando foram notificados 10.040). A maioria (52,5%), de acordo com a série histórica de 2005 a 2018, tem idade entre 20 e 29 anos, seguido pela faixa etária de 15 a 19 anos (24,7%).

Um dos grandes problemas da sífilis, segundo o ginecologista do Einstein, é que em raríssimas situações ela apresenta sintomas em homens. “É uma doença que atinge especialmente as mulheres. O homem pode passar a vida inteira infectado e não sentir nada. Isso acaba aumentando o risco de transmissão durante o sexo desprotegido”, diz Podgaec.

Apesar do maior acesso aos meios de comunicação, especialmente a internet, são poucas as campanhas sobre infeções sexualmente transmissíveis nos meios de comunicação. “As abordagens são mais generalistas ou focadas na Aids”, afirma Podgaec. Com o aumento de pessoas infectadas nos últimos anos, o Ministério da Saúde lançou em 20 de outubro de 2017 uma ação nacional para combater a sífilis, especialmente a congênita. O objetivo era mobilizar gestores e profissionais de saúde sobre a importância do diagnóstico e tratamento da doença durante o pré-natal.

Bater na tecla da prevenção é muito importante porque os preservativos estão entrando em desuso. “As mulheres não costumam pedir exames de sífilis e Aids nas visitas de rotina com o ginecologista”, conclui Carmen Sílvia. O tratamento da sífilis é feito com injeções de penicilina. As doses são receitadas por médicos ginecologistas ou infectologistas e variam de acordo com a fase da doença.

(Fonte: Agência Einstein)

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