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Por que o sarampo voltou a ser uma preocupação mundial

A baixa cobertura vacinal em vários países contribuiu para o retorno do problema. Entenda o que gerou essa situação

17/09/2019 16h19 Atualizado há 4 anos

Por Fábio de Oliveira, da Agência Einstein

 

A doença que é mais conhecida pelas manchas vermelhas na pele voltou a ser motivo de preocupação não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Várias regiões do planeta têm registrado surtos da infecção causada pelo vírus da família Paramyxoviridae. Reino Unido, Grécia, República Checa e Albânia, por exemplo, perderam recentemente o certificado de países livres do sarampo, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos, 31 estados registraram casos da enfermidade este ano, somando mais de 1200 indivíduos diagnosticados, sendo que 75% deles estão ligados a surtos em Nova York. Os dados são do Centros para Controle de Doenças e Prevenção (CDC). É o maior número de ocorrências desde 1992. Ao todo, segundo a OMS, 182 países relataram casos de sarampo este ano. Na República Democrática do Congo, na África, a doença matou mais gente do que o vírus Ebola.

Aqui, depois dos episódios no Norte do país em 2018, São Paulo, sobretudo a capital, passou a concentrar 98,37% dos 2753 casos confirmados no país até o início do mês. Houve também registro de mortes no estado e em Pernambuco. Essa transmissão sustentada, ou seja, surtos por mais de 12 meses, levou o Brasil a perder o certificado de país livre do sarampo outorgado pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS) em 2016. Diante desse panorama, a pergunta é: o que casou o recrudescimento do problema em diferentes locais do planeta?

Os especialistas respondem em quase uníssono que a queda da cobertura vacinal é uma das grandes responsáveis pelo ressurgimento da enfermidade. “Se tivéssemos uma boa cobertura, não haveria possibilidade de ocorrer uma epidemia”, diz o infectologista Hélio Bacha, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. “A volta do sarampo é consequência da baixa adesão à vacina”, reafirma o pediatra Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). O ideal é que essa cobertura seja igual ou maior a 95%, o recomendado pela OMS. No ano passado, esse número chegou a 90,5% no Brasil.

Os motivos para a queda são variados e a falta de imunizante não é um deles, até porque os postos de saúde e clínicas particulares dispõem de estoques adequados para atender à população. Uma das razões da diminuição é a falsa percepção de que a doença não existe mais. Antes do advento da vacina nos anos 1960 e da vacinação em massa, o sarampo era uma das principais causas de mortalidade de crianças até um 1 de idade, especialmente as desnutridas. “A humanidade era formada por pessoas que sobreviviam ao sarampo”, diz Hélio Bacha. “Na população pré-vacina, de 90 a 95% dos indivíduos tinham a doença.” Muitos pais dos pequenos de hoje não vivenciaram essa era, sem falar nos profissionais de saúde mais jovens, que, só agora, depois dos surtos, estão lidando com o problema pela primeira vez.

Na Europa e, sobretudo nos Estados Unidos, o crescimento dos grupos antivacina também ajuda a explicar o recuo nas taxas de imunização — em terras norte-americanas, eles são conhecidos como anti-vaxxers. São basicamente formados por pais que enxergam a vacinação como uma violação dos direitos humanos. Outra particularidade dos Estados Unidos é que vários estados, permitem que os pais se isentem de imunizar seus filhos com base na crença religiosa. O movimento ganhou força a partir de 1998, quando o médico inglês Andrew Wakefield publicou um artigo no periódico científico The Lancet relacionando a vacina tríplice viral, para sarampo, caxumba e rubéola, à inflamação no intestino e à ocorrência de autismo.

Devido à enorme publicidade que o suposto achado obteve, as taxas de vacinação caíram. Além de pesquisas desmentindo o elo entre o imunizante e o autismo, descobriu-se mais tarde que Wakefield era financiado por advogados de pais de crianças que processavam farmacêuticas produtoras de vacina. Além disso, antes da publicação do estudo, ele tinha entrado com um pedido de patente para um imunizante contra sarampo. Em 2010, Wakefield foi considerado inapto para exercer a medicina no Reino Unido e o The Lancet admitiu que as conclusões do trabalho eram falsas.

Para este ano, a OMS elencou 10 ameaças para a saúde global. Entre elas está a hesitação em se vacinar, ou seja, a relutância ou recusa em fazê-lo apesar da disponibilidade do imunizante. Alguns dos motivos para isso, de acordo com o documento da OMS, seriam a falta de confiança na vacina e a inconveniência de acesso – os postos de saúde, por exemplo, que funcionam no horário comercial, dificultando a vida de pai e mãe que trabalham.

O imunizante, produzido com o vírus atenuado, é seguro e bastante eficaz. “Em relação à morbidade, a vacinação é a primeira medida de saúde pública. Ela é mais importante do que a água potável”, afirma Juarez Cunha. O sarampo é uma doença altamente contagiosa. “Sua taxa de ataque é de 90%”, explica o presidente da Sbim. Dito de outra forma, se uma pessoa infectada entra em contato com outras dez, nove vão contrair o vírus. Basta o doente tossir ou espirrar, por exemplo, para disseminar o micro-organismo. Os sintomas são febre acompanhada de tosse, irritação nos olhos, forte mal-estar, nariz entupido ou escorrendo. As manchas vermelhas surgem em torno de cinco dias.

O caso de São Paulo

A capital paulista concentra a maioria dos casos do último surto de sarampo do país. Nada comparado ao de 1997, quando foram registrados 25 mil casos. “De lá para cá, não ultrapassamos 100 casos”, conta a pediatra Helena Sato, diretora técnica de imunização do Centro de Vigilância Epidemiológica do estado. A partir de 2000, começaram a ser realizadas as chamadas campanhas de segmento, que têm como alvo as crianças de 1 a 4 anos de idade. O intervalo entre elas é de quatro anos. Apenas em 2008 ela não foi levada a cabo e, por isso, em 2011 os pequenos de 1 a 6 anos receberam o imunizante. A última campanha foi no ano passado. “Se não tivéssemos feito essa ação no passado, a situação seria pior”, diz Helena Sato. Segundo ela, não só em São Paulo, mas no país inteiro.

Na suspeita de casos, apela-se para o bloqueio e vacina-se quem está com esquema em atraso. Pessoas de 1 a 29 anos tomam duas doses. A primeira é para garantir 95% de cobertura, a segunda para os 5% que não responderam adequadamente à injeção inicial. De 30 a 59 anos, uma. Indivíduos acima dos 60 anos não precisam porque provavelmente tiveram a doença e, portanto, estão imunes. Devido aos surtos, de acordo com o Ministério da Saúde, está sendo oferecido a dose zero para bebês a partir dos seis meses.

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Pais também hesitam em vacinar adolescentes contra HPV nos EUA

A hesitação contra vacinas não se restringe à do sarampo. Apesar da sua eficácia para prevenir alguns tipos de câncer, como o de colo de útero, um estudo publicado na revista científica Pediatrics mostra que muitos adolescentes ainda não estão tomando o imunizante contra o vírus HPV. Os pesquisadores ouviram 588 pediatras e médicos de família e descobriram que a taxa de recusa por parte dos pais continua alta nos Estados Unidos, sobretudo entre os que têm filhos de 11 a 12 anos, justamente a população alvo. Resultado: menos da metade dos adolescentes americanos completam a vacinação, que se resume a duas doses.

Parte do problema pode ser resolvido com a abordagem correta do profissional de saúde. Ou seja, recomendar a vacina contra o HPV da mesma maneira – e fortemente – como se indicam outras para essa faixa etária, caso da de meningite. A pesquisa mostrou que os especialistas que adotaram essa estratégia foram mais bem-sucedidos. “Uma recomendação de um médico é um dos fatores mais importantes da aceitação da vacina pelos pais”, disse a líder do trabalho, Allison Kemp, que é professora de pediatria na Universtiy of Colorado School of Medicine.

(Fonte: Agência Einstein)

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