
Pesquisa brasileira não observa benefício do tocilizumabe em pacientes graves da Covid-19
Uso do medicamento para artrite está em análise pela OMS para combater ação inflamatória do novo coronavírus
Frederico Cursino, da Agência Einstein
Uma nova pesquisa brasileira traz um ponto de alerta sobre o uso do tocilizumabe para o tratamento de pacientes graves da Covid-19. Apontado pelo primeiro-ministro britânico Boris Johnson como uma esperança para salvar mais vidas naquele país, o medicamento para artrite não teve o benefício previsto em testes feitos no Brasil.
Em artigo publicado nesta quarta-feira (20) no The British Medical Journal, pesquisadores da Coalizão Covid-19, responsável pelo estudo, relatam que as análises com o tocilizumabe precisaram ser interrompidas após 15 dias, depois de observarem um aumento das mortes entre pacientes que receberam a dose do remédio. Também não foi encontrado nenhum benefício da adição da droga ao tratamento padrão.
A Coalizão Covid-19 é uma aliança para condução de pesquisas formada por oito organizações de saúde do Brasil (Hospital Israelita Albert Einstein, HCor, Hospital Sírio-Libanês, Hospital Moinhos de Vento, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, Brazilian Clinical Research Institute – BCRI, e Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva – BRICNet). Os resultados apresentados pelos brasileiros serão incorporados a uma meta-análise da Organização Mundial da Saúde (OMS), que reunirá uma série de outros estudos para avaliar se o tocilizumabe pode ou não ajudar no tratamento da Covid-19.
Atualmente, pesquisas em diversos países trazem resultados contraditórios. Um deles, do projeto britânico Remap-Cap, mostrou recentemente que a aplicação da droga 24 horas após a internação em UTI pode reduzir em 24% o risco de morte.
“No geral, os nossos resultados estão de acordo com a maioria dos estudos com tocilizumabe, exceto o Remap, que é um estudo maior do que o nosso e, até o momento, apesar de não publicado ainda, tem sido um caso atípico em termos de benefício de sobrevida”, afirma o cardiologista Renato Lopes, diretor da BCRI e integrante do comitê executivo da coalizão.
Segundo Lopes, outro estudo em desenvolvimento no Reino Unido, o Recovery, deverá trazer uma conclusão mais definitiva sobre a droga, dado o tamanho da amostra usada nas análises. “Essa pesquisa ajudará tremendamente na compreensão do papel desse agente em pacientes com Covid. Mas, olhando a totalidade dos dados disponíveis e publicados até o momento, acho que o tocilizumabe tem um papel limitado no tratamento de pacientes com a Covid-19 e sem claro benefício na sobrevida.”
Na visão do pesquisador Alexandre Biasi, diretor do Instituto de Pesquisas do HCor, o estudo traz uma importante contribuição para a meta-análise em desenvolvimento pela OMS. “Estamos oferendo mais uma peça para este quebra-cabeça. Os resultados ajudarão a construir diretrizes consistentes sobre o uso correto do medicamento. Esperamos que ele possa ajudar no tratamento da Covid, mas é preciso que isso seja feito com base em pesquisas, como esta que desenvolvemos na Coalizão”, destaca o médico.
Viviane Cordeiro Veiga, coordenadora de UTI da BP e integrante da Coalizão Covid-19, lembra que, por enquanto, apenas a dexametasona foi comprovada como eficaz no tratamento da doença em casos graves. “Pensando em medicamentos que podem atuar na resposta inflamatória da Covid-19, mostramos que o tocilizumabe não foi efetivo em enfermos em estado crítico. Hoje, dentre os tratamentos aprovados, não temos nenhuma outra medicação com resultados inequívocos, a não ser o corticoide. Porém não de forma preventiva e sim em pacientes que estão usando oxigênio”, reforça a médica intensivista.
Sobre a pesquisa
O tocilizumabe bloqueia uma substância produzida pelo sistema imunológico (interleucina-6), que pode estar associada a complicações relacionadas à inflamação na Covid-19. Para testar essa hipótese, os pesquisadores da Coalizão conduziram ensaio clínico randomizado comparando o uso do remédio para artrite incorporado ao tratamento padrão com o tratamento padrão sozinho, todos em pacientes da Covid-19 internados em estado grave ou crítico.
Quinze dias após a aplicação das doses, 28% dos pacientes do grupo com tocilizumabe estavam recebendo ventilação mecânica ou morreram. No grupo padrão, a proporção foi de 20%. O índice de óbitos no grupo com tocilizumabe foi de 17%. Já entre aqueles que receberam apenas o tratamento padrão, 3% morreram no mesmo período. Os resultados são baseados em 129 adultos relativamente jovens (idade média de 57 anos) com Covid-19 confirmado em nove hospitais brasileiros, entre 8 de maio e 17 de julho de 2020.
O aumento do número de mortes no grupo que estava recebendo tocilizumabe levantou preocupações de segurança e o ensaio foi interrompido precocemente. Em ambos os grupos, as mortes foram atribuídas a insuficiência respiratória aguda ou disfunção de múltiplos órgãos relacionada à doença.
Os pesquisadores brasileiros apontaram algumas limitações, incluindo o pequeno tamanho da amostra, que afeta as chances de detectar um efeito assertivo. No entanto, os resultados foram consistentes após o ajuste para os níveis de suporte respiratório necessários para os pacientes no início do estudo.
(Fonte: Agência Einstein)