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Crédito: Julia Vitarello

O remédio de Mila: como o amor de uma mãe resultou em um dos maiores feitos da medicina

A persistência de Julia Vitarello e o empenho dos médicos do Children´s Hospital Medical, nos EUA, tornaram possível a criação, pela primeira vez na história, de um remédio contra uma doença genética feito somente para uma pessoa. No caso, Mila, a filha de Julia

17/10/2019 08h51 Atualizado há 4 anos

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Por Nicola Ferreira, da Agência Einstein

Mila Makovec tem oito anos e já escreveu seu nome na história da medicina. A menina americana é a primeira pessoa do mundo a receber um remédio contra uma doença genética criado só para ela. A criança sofre da doença de Batten, enfermidade rara que atinge 2 a 4 crianças a cada 100 mil nascidas vivas e que provoca o acúmulo, nas células do cérebro, olhos, pele e em outros tecidos, de gorduras e proteínas chamadas de lipopigmentos. Progressiva, ela leva a sérios problemas de origem neurológica, como dificuldades para andar, falar ou enxergar. É fatal e ainda não tem cura.

O remédio de Mila foi criado por médicos do Boston Children’s Hospital, nos Estados Unidos, e teve sua divulgação feita pelo The New England Journal of Medicine, uma das mais respeitadas publicações científicas do mundo. Em homenagem à menina, foi batizado de Milasen. O desenvolvimento do produto surpreendeu a comunidade médica mundial, rompendo uma nova fronteira no campo dos tratamentos inovadores. O feito, em si, já é daqueles que encantam pela sofisticação científica que representa. Mas, neste caso, a história por trás é tão comovente e inspiradora que torna o remédio de Mila ainda mais marcante. A medicação não existiria sem a persistência e o amor de Julia Vitarello, mãe de Mila. Foi ela quem decidiu buscar um alívio para a filha depois de ver a criança pouco a pouco perder os movimentos, a capacidade de engolir e ter de ser alimentada por via parenteral e sofrer cerca de 30 crises epiléticas por dia. A AGÊNCIA EINSTEIN conversou com exclusividade com Julia para entender melhor de que maneira a persistência de uma mãe resultou em um acontecimento científico histórico.

Agência Einstein – Como você percebeu que Mila não estava se desenvolvendo como deveria?

Julia Vitarello – Ela tinha três anos quando comecei a notar. Aos quatro, Mila passou a ter graves dificuldades para enxergar e, aos cinco, tudo mudou. Ela manifestou problemas para andar, falar e ver.

Agência Einstein – Quando o diagnóstico foi feito?

Julia – Aos seis anos. Parte de mim se sentiu aliviada. Finalmente eu tinha uma resposta. Mas fiquei muito preocupada porque nunca tinha ouvido falar de uma criança com a doença.

Agência Einstein – Quais foram seus principais medos?

Julia – Um deles era a dificuldade financeira porque eu não sabia o quanto custariam os cuidados com Mila. Decidi compartilhar a história para conseguir ajuda. Cinco dias depois do diagnóstico uma empresa me abordou oferecendo a produção de um vídeo sobre o que estávamos vivendo. Passei a enviá-lo a todos que conhecia.

Agência Einstein – E a adesão?

Julia – Foi maravilhosa. E foi por meio da divulgação que os médicos souberam da história e me procuraram. Decidimos investigar o caso de Mila e de seu irmão, Azlan, que não tem a doença.

Agência Einstein – Como surgiu a ideia de criar o remédio?

Julia – Os médicos descobriram que o caso de Mila era mais complicado do que se imaginava. Eles focaram em descobrir um jeito de consertar a alteração genética e esperaram até chegar em um ponto importante da pesquisa para me contar sobre o possível medicamento. Quando descobri fiquei em choque.

Agência Einstein – Por quê?

Julia – Nunca pensei que eles fossem criar um remédio só para a minha filha.

Agência Einstein – Quando começou a notar os sinais de melhora em Mila?

Julia – Pouco depois da primeira dose, especialmente em relação à redução do número de crises epiléticas e maior ganho de equilíbrio corporal. E agora ela come 90% de seus alimentos por via oral.

Agência Einstein – Como Mila está agora?

Julia – Não está respondendo muito bem. Ela não sorri mais tanto e nem fala o quanto ela falava. Isso é o que me deixa mais triste.

Agência Einstein – Qual seu sentimento em relação a isto tudo?

Julia – Sei que Mila não será curada. Mas estou feliz com o fato de que as crianças como ela tenham uma opção.

AGÊNCIA EINSTEIN – Quanto o remédio custou?

Julia – O que posso dizer é que a Mila´s Miracle Foundation arrecadou mais de US$ 3 milhões. Minha luta agora é para reduzir o preço do remédio.

Como o remédio foi criado

A Doença de Batten é recessiva. Isso significa que, para se manifestar, é necessário que dois genes sejam recessivos. No caso de Mila, no entanto, apenas um é recessivo. Em março de 2017, o time de Timothy Yu descobriu que, no gene intacto, havia um pedaço que prejudicava a produção da proteína correspondente. Os médicos criaram um pedaço de RNA (molécula responsável pela síntese de proteínas dentro das células) para neutralizar a ação da parte genética que causava o dano. A droga foi desenvolvida em dois anos e testada em roedores. Ela só foi usada em Mila em 2018, após ser liberada pela Food and Drug Administration, a agência americana responsável pela liberação de medicamentos nos EUA. A medicação é aplicada na coluna vertebral da garota para atingir o cérebro mais rapidamente. Hoje, Mila toma o remédio a cada dois meses no hospital perto de sua casa, no Colorado. Mas a ligação com o médico Yu continua: frequentemente ela vai a Boston consultar-se com seu médico.

O impacto na a classe médica

O primeiro remédio contra uma doença genética feito somente para uma pessoa causou surpresa e polêmica entre médicos de todo o mundo. A façanha científica, louvada pela maioria, também despertou questionamentos em relação ao custo de drogas como essas e a demanda que pode despertar por pacientes ou familiares em situação semelhante. Na opinião do médico Luiz Vicente Rizzo, diretor superintendente do Instituto Israelita de Pesquisa e Ensino Albert Einstein, no entanto, o custo é um problema com prazo de validade. “Tudo vai ficar mais aberto e mais eficiente ao longo do tempo”, diz. O pesquisador acredita que o caso de Mila é emblemático. “Ele é a epítome da medicina de precisão daqui a cem anos, quando realmente todos terão acesso a aparelhos que farão o sequenciamento genético, sua análise e a informação se uma eventual doença é tratável com um remédio produzido na hora”, acredita.

Óleo de Lorenzo

 

Outro caso que ficou conhecido a partir da mobilização de pais foi a descoberta do Óleo de Lorenzo. Formulado por Michaela e Augusto Odone para tratar de seu filho Lorenzo, o óleo é ministrado para pessoas que possuem a Adrenoleucodistrofia (ALD), rara doença congênita e degenerativa por falhas do cromossomo X. O remédio é considerado um dos tratamentos mais eficazes para a doença. O sucesso do medicamento e a força de sua história motivou a realização do filme O Óleo de Lorenzo, de 1992, estrelado por Susan Sarandon e Nick Nolte.

 

(Fonte: Agência Einstein)

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