
O elo entre inflamações e doenças
O processo inflamatório faz parte da reação das defesas do organismo, mas, desregulado, tem papel de destaque em diversos problemas de saúde
Por Fábio de Oliveira, da Agência Einstein
Quando se digita a palavra inflamação (inflammation em inglês) no PubMed, o site da Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA que tem mais de 29 milhões de citações de periódicos científicos e afins, chega-se ao número de 725.053. O assunto tem interessado pesquisadores de variados campos da Medicina. Isso porque o processo inflamatório crônico está por trás de várias doenças, como câncer e problemas cardiológicos. “É uma resposta do organismo a qualquer tipo de agressão”, explica o cardiologista Eduardo Pesaro, da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. “Pode ser considerado um mecanismo básico de defesa.”
Nessa reação, entram em cena células inflamatórias como macrófagos e linfócitos. Elas integram o sistema imune e têm a função de dar cabo de corpos estranhos, deglutindo-os, além de atacá-los com anticorpos. Essas células são requisitadas em situações diversas: diante de vírus, de bactérias e até mesmo quando ocorre um trauma de joelho. Mas a inflamação pode começar a prejudicar o próprio organismo.
“Isso acontece em dois casos”, explica Pesaro. “Primeiro, quando a resposta contra o inimigo fica exagerada.” Ele prossegue: “Fazendo uma analogia: um exército vai defender seu território do avanço de um adversário, mas acaba atirando em civis e destrói até seus próprios ativos”. É algo que ocorre, por exemplo, na sepse, popularmente conhecida como infecção generalizada. A bactéria tem um papel inicial no problema, mas o corpo reage de forma tão violenta que o paciente apresenta queda da pressão arterial e o pulmão chega a ser infiltrado por células inflamatórias. “A resposta às vezes é mais agressiva do que a própria ação bacteriana”, diz Pesaro.
No segundo caso, existe uma espécie de confusão: o organismo interpreta uma parte dele mesmo como um invasor. “Voltando à analogia do exército: ele acha que ali há uma tropa inimiga, mas na verdade são aliados e os ataca”, descreve o cardiologista. Trata-se de algo que ocorre em todas as doenças autoimunes, como a tireoidite de Hashimoto, a principal causa de hipotireoidismo – quando a tireoide não fabrica a quantidade ideal de hormônios. Nesse caso, anticorpos investem contra a glândula, encarando-a como um agente intruso.
Além das doenças autoimunes, há males crônicos que são justificadamente inflamatórios, como o câncer. “O organismo fica continuamente inflamado porque ele está atacando as células cancerosas”, fala Pesaro. Outra situação é a aterosclerose, o entupimento das artérias do coração por gordura, o que estreita a passagem do sangue. Trata-se da principal causa de morte em países desenvolvidos. Obesidade, diabetes e tabagismo favorecem sua ocorrência. “Esses fatores de risco inflamam as artérias. Por essa razão, existe uma atividade inflamatória sustentada”, conta o especialista. Em outras palavras, a gordura que é depositada naqueles vasos vira alvo dessa reação. “Essa resposta inflamatória ataca também a parede da artéria, a ponto de eventualmente romper um de seus trechos”, diz o cardiologista. “E essa ruptura leva à deposição de coágulos que entopem definitivamente o vaso.” Isso leva ao infarto do coração.
Segundo Pesaro, não se pode dizer que o fato de encontrar uma inflamação no organismo reduz a expectativa de vida. Cada caso é um caso. Quando há sepse ou pneumonia, por exemplo, uma atividade inflamatória intensa pode representar um maior risco de morte. “Esse quadro também acontece no infarto agudo do miocárdio”, revela o cardiologista. Os especialistas medem esse processo por meio da proteína C-reativa, que está presente no sangue. Quanto maiores seus níveis, maior é a inflamação. Mas num check-up habitual, isso não é necessariamente um indicador de problema. “Foi algo abandonado na década de 2000”, diz o médico.
De maneira geral, a inflamação é tratada em alguns casos e em outros não. “Se a pessoa tem câncer e está com alguma inflamação, tratamos o câncer”, fala Pesaro. O mesmo vale para um infarto e uma infecção. Ou seja, procura-se debelar a doença de base. A exceção são as doenças autoimunes. Além dos traumas: uma pessoa que se machucou jogando tênis, bateu o joelho ou quebrou uma perna. Aí recorre-se a anti-inflamatórios não hormonais.
(Fonte: Agência Einstein)