
O distanciamento social pode ser um desafio para os mais extrovertidos
É o que aponta um estudo conduzido na Universidade de São Francisco, no interior paulista, com mais de 700 pessoas
Por Fábio de Oliveira, da Agência Einstein
Pesquisadores do Laboratório de Avaliação Psicológica e Educacional da Universidade São Francisco (USF), em Campinas, no interior de São Paulo, estão analisando como pessoas com diferentes tipos de personalidade vêm lidando com o distanciamento social decorrente da pandemia do novo coronavírus. E os extrovertidos talvez estejam tendo mais dificuldade. “Trabalhamos com a ideia de traços de personalidade”, explica o psicólogo Lucas de Francisco Carvalho, o autor do trabalho. De acordo com ele, todas as pessoas no mundo têm o mesmo conjunto desses traços. O que muda de indivíduo para indivíduo é o nível de cada um. “No estudo, focamos em dois traços, extroversão e conscienciosidade.” No primeiro grupo se encaixam aqueles mais comunicativos, que gostam de se expor em público e de estar entre multidões, por exemplo. Já o segundo tem a ver com organização, ordem, pontualidade, preocupação com regras e planejamento.
O trabalho contou numa primeira etapa com 715 participantes, a partir dos 18 anos. Desse total, 77,3% eram mulheres, 52,2% solteiros, 69,5% caucasianos e 68,8% tinham ensino superior. Cinco respondentes tinham feito o teste para a covid-19 e dois foram diagnosticados com o problema. O estudo se valeu de um questionário online de 30 itens, com escalas de pontuação. As perguntas giravam em torno de temas como isolamento social e higienização das mãos.
“Usamos uma escala que avalia traços de personalidade, o BFI-2-S”, relata Carvalho, que é professor do programa de pós-graduação stricto sensu em Avaliação Psicológica pela USF. “Essa escala, assim como as demais escalas psicológicas, foi desenvolvida por pesquisadores e testada, isto é, foram conduzidos estudos para investigar se ela funciona adequadamente, o que chamamos de propriedades psicométricas.”
O BFI-2-S é baseado no big five ou five-factor model, ou seja, o modelo dos cinco grandes fatores da personalidade. Ele descreve cinco traços amplos: além de extroversão e conscienciosidade, agradabilidade (empatia, cooperação), abertura (curiosidade, artes, ciências) e neuroticismo (irritabilidade, depressão, vulnerabilidade). “Focamos nos dois primeiros. Cada um desses traços é avaliado por seis questões do BFI-2-S”, diz o psicólogo.
Os resultados do estudo apontam que os extrovertidos talvez estejam penando diante das medidas adotadas na quarentena do novo coronavírus. “Para essas pessoas, a necessidade de estimulação externa pode estar associada a uma maior dificuldade para aderir ao distanciamento social e praticá-lo”, revela Lucas de Francisco Carvalho. “De fato, lidar com os próprios traços não é tarefa fácil, demanda autoconhecimento, treino, foco em relação aos comportamentos.”
Por isso, de acordo com o pesquisador, a primeira coisa a se fazer é conhecer suas características de personalidade. Uma vez que a pessoa tenha clareza de seus traços e de possíveis dificuldades atreladas a eles, deve tentar desenvolver estratégias. No caso, gastar energia seria um primeiro passo: atividades físicas e mentais dentro de casa nesses dias são uma ótima opção. O segundo: utilizar a seu favor as tecnologias digitais. Videoconferências, aplicativos como WhatsApp e vários outros são modos de manter a interação social, mesmo com grandes grupos de pessoas, aponta o psicólogo.
Com o pessoal, digamos, reservado, a lida com a pandemia tem outra toada. “Conceitualmente, e de acordo com nossos resultados, os mais introvertidos devem ter maior facilidade”, diz Carvalho. Isso porque o fato de estarem com menor frequência entre muitas pessoas, praticando atividades sozinhos, é algo em sintonia com seu funcionamento.
Personalidades díspares não são incompatíveis e têm a chance adquirir conhecimentos com perfis diversos dos seus. “Os mais extrovertidos podem aprender com os conscienciosos o planejamento, isto é, não basta ter a intenção, por exemplo, de lavar as mãos a todo momento, usar álcool gel e máscara. É necessário se planejar para realmente praticar essas ações”, fala Carvalho. Isso vale também para o seguimento de normas, como a recomendação do isolamento social, algo imprescindível. “Por outro lado, os conscienciosos podem buscar alguma flexibilidade em suas ações dentro de casa e se darem o luxo de fazerem tarefas menos organizadas e planejadas, embora com a segurança do lar.”
A pesquisa teve vários desmembramentos. “Atualmente já obtivemos dados com mais de 3 mil pessoas”, conta o psicólogo. “Avaliamos mais traços, incluindo os que têm a ver com cooperação, como empatia, e com não cooperação, como indiferença e grandiosidade.” Segundo ele, no momento está sendo finalizada outra coleta de informações, dessa vez internacional, com a participação do Brasil e de outros países, a exemplo de Itália, Estados Unidos e Arábia Saudita. “Precisamos usar este momento para saber como as pessoas se comportam e criarmos estratégias para ajudá-las não só na pandemia da covid-19, mas em futuras situações similares.”
(Fonte: Agência Einstein)