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Artigo: A leitura é uma ginástica para a mente

Uma série de áreas do órgão é acionada quando passamos os olhos por uma palavra. Entenda como isso acontece

04/11/2019 09h00 Atualizado há 4 anos

Por Joana Bisol Balardin e Liana Guerra Sanches*

O desafio inicial do aprendizado da leitura é transformar letras em sons. E o que acontece no cérebro quando realizamos esse processo? A pesquisa no campo das neurociências e da neuroimagem tem contribuído para responder essa pergunta. Os resultados desses estudos são um exemplo de como a ciência pode ter implicações na educação.

Ao utilizar técnicas como a ressonância magnética funcional e estrutural, que permitem enxergar, por assim dizer, o que acontece dentro da cabeça, os pesquisadores constataram que, para aprender a ler, o principal órgão do sistema nervoso central usa inicialmente dois circuitos. Um deles envolve uma área do córtex visual ventral, responsável pelo reconhecimento das letras. O outro recruta regiões envolvidas na compreensão e na produção da linguagem, como os córtices frontal inferior e temporal posterior.

As conclusões dos trabalhos científicos sugerem que, ao adquirir essa habilidade, a informação sobre as letras processada na área visual do cérebro é enviada para as áreas de linguagem por meio de conexões da substância branca. Essas fibras localizadas nas porções mais profundas do órgão, entre elas o fascículo longitudinal inferior, conectam as regiões posteriores e anteriores do cérebro. Ao passo que o leitor torna-se mais proficiente, essa transmissão da informação entre as regiões cerebrais visuais e de linguagem fica mais eficiente, e o processo de transformar letras em sons passa a ser quase que automático. Esse estágio é considerado crucial para que o leitor consiga se concentrar no significado das palavras.

Dislexia

Algumas pessoas podem ter dificuldades de leitura causadas por diversas condições, como a dislexia. Pesquisas na área de neuroimagem têm contribuído para a melhor compreensão do funcionamento e da anatomia do cérebro nesses casos. Sabe-se, por exemplo, que alguns indivíduos disléxicos apresentam diferenças no recrutamento de regiões cerebrais visuais e de linguagem quando leem. Existem também evidências de algumas diferenças das conexões entre as regiões cerebrais nesses indivíduos.

E mais interessante: estudos recentes sugerem que essas diferenças anatômicas e funcionais, no entanto, podem ser modificadas por treinamentos intensivos (4 horas por dia, 5 dias por semana, durante 8 semanas) para aprimoramento das capacidades de leitura, entre elas a conversão letra-som. Apesar de exames de neuroimagem terem colaborado para o entendimento de mecanismos de leitura, não podem ser utilizados para diagnóstico porque ainda não há critérios para interpretar resultados individuais.

As descobertas sobre como o cérebro aprende a ler são um exemplo de como a pesquisa em neurociências pode ter implicações para informar abordagens educacionais de ensino da leitura. E, assim, contribuir para que a leitura seja ensinada de forma mais natural, pelo menos do ponto de vista cerebral.

Benefícios

Como dito acima, a aquisição da leitura é um processo dinâmico, que estabelece diversas conexões entre as áreas cerebrais. Estudos mostram que aumentar conexões pode influenciar numa reserva que o cérebro pode usar conforme envelhece. Atividades como interações sociais, aprendizado de uma nova língua e a prática de exercícios físicos ajudam a construir essa espécie de estoque. A aquisição da leitura é mais um componente que contribui para um cérebro saudável.

*Joana Bisol Balardin, PhD, é Pesquisadora Instituto do Cérebro, parte do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein

Liana Guerra Sanches é coordenadora de pesquisa em neurociências do Einstein 

O texto foi revisado por Edson Amaro, médico radiologista do Hospital Israelita Albert Einstein, consultor científico do Instituto do Cérebro e membro da Academia Brasileira de Ciências

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