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Estudo mostra que remédios usados para HIV e hepatite C não funcionam para reduzir carga viral da Covid-19

Pesquisadores do grupo Coalizão fizeram um estudo em 255 pacientes internados em 35 centros brasileiros durante os meses de fevereiro e agosto de 2021.

03/04/2023 08h00 Atualizado há 394 dias

Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein

Um estudo realizado por pesquisadores do grupo Coalizão Covid-19 Brasil constatou a ineficácia de três medicamentos antivirais que são usados no tratamento de pessoas com HIV e hepatite C na redução da carga viral de pacientes internados com Covid-19. Com o desfecho inesperado, o estudo foi interrompido ainda no seu primeiro estágio, sem dar andamento para outras fases. Os resultados foram publicados na The Lancet no início de março.

O grupo Coalizão Covid-19 Brasil é uma aliança formada por pesquisadores de vários hospitais de excelência que se uniram para conduzir pesquisas na tentativa de acelerar a descoberta de novos medicamentos que pudessem ser eficazes no tratamento da Covid-19. O grupo possui membros dos hospitais HCor, Hospital Israelita Albert Einstein, Sírio-Libanês, Moinhos de Vento, Oswaldo Cruz, Beneficência Portuguesa, além do Brazilian Clinical Research Institute (BCRI) e da Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet).

Desde o início da pandemia, a busca por novas terapias que se mostrassem eficazes na redução das complicações ou da mortalidade pela Covid-19 tem mobilizado pesquisadores do mundo todo. O grupo Coalizão decidiu avaliar a ação dos medicamentos atazanavir (usado em pacientes com HIV) e sofosbuvir e daclatasvir (usados em pessoas com hepatite C) em pessoas internadas com Covid-19.

Eficácia em laboratório

Segundo Israel Maia, pesquisador do HCor e membro do grupo Coalizão, a escolha dessas três medicações para o estudo clínico não ocorreu ao acaso. Ele explicou que cientistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) haviam feito um estudo pré-clínico para testar o efeito dessas drogas e constataram a redução da replicação viral do SARS-CoV-2 nos testes em laboratório. Mas era preciso fazer um estudo clínico para confirmar se esses benefícios encontrados in-vitro se estenderiam aos pacientes de fato.

“No estudo pré-clínico os pesquisadores da Fiocruz observaram que essas três medicações inibiam o crescimento do SARS-CoV-2. Tínhamos essa evidência do laboratório e decidimos então testar a segurança do uso dessas medicações nos pacientes com Covid-19, mesmo sabendo que o comportamento do organismo do paciente na vida real pode ser diferente do que o constatado em laboratório”, explicou Maia.

O principal objetivo do grupo era descobrir se o reposicionamento dessas drogas específicas – que já são aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para outras doenças – funcionaria no tratamento da infecção pelo coronavírus.

Detalhes da pesquisa

O estudo foi desenhado para ter três estágios: o primeiro deles tinha como objetivo comparar a ação desses três medicamentos isolados com o placebo na diminuição da carga viral do SARS-CoV2. O segundo estágio avaliaria se a combinação desses medicamentos era melhor que o medicamento isolado (seria testada uma espécie de coquetel, assim como acontece com o HIV). O terceiro estágio, por fim, testaria qual o melhor medicamento das duas fases anteriores (isolado ou combinado) em comparação com o placebo para analisar o desfecho clínico, caso confirmasse a eficácia nos dois primeiros estágios.

A pesquisa foi conduzida entre os meses de fevereiro e agosto de 2021 em 35 centros no Brasil (cerca de 80% deles eram hospitais públicos) e envolveu 255 participantes internados com diagnóstico de Covid-19 e que precisavam de algum suporte respiratório. “A queda da saturação era um indicativo da gravidade da doença, então esse foi um critério de inclusão no estudo. Todos os pacientes que participaram precisavam de suporte de oxigênio, mas nem todos estavam em UTIs. Havia pacientes de enfermaria também”, explicou Maia.

No estudo duplo cego – onde nem médicos nem pacientes sabiam quem estava recebendo o medicamento e quem estava recendo placebo – os pacientes foram medicados durante 10 dias com as dosagens aprovadas para a doença original (no caso HIV ou hepatite C) e tiveram a carga viral do coronavírus medida em quatro momentos: no primeiro, no terceiro, no sexto e no décimo dia de uso da medicação. Já nesta primeira fase, os pesquisadores constataram a ineficácia do tratamento, pois não houve redução da carga viral em comparação aos pacientes do placebo.

“Infelizmente, o resultado foi neutro ainda no primeiro estágio do estudo, o que nos fez interromper a sua continuidade. Nos frustra, não tenha dúvidas. A gente sempre busca resultados positivos dentro da nossa pesquisa, mas, por outro lado, nós sabíamos que a chance de isso acontecer poderia ser pequena”, disse Maia.

“São poucas as drogas que conseguimos reposicionar para outra doença. E são poucas as drogas que efetivamente saíram de um estudo pré-clínico como positivas e vão funcionar efetivamente na vida real do paciente”, frisou.

O pesquisador acrescentou ainda que apesar de eles saberem que as chances de funcionar eram pequenas, a realização do estudo se justificava dentro daquele contexto da pandemia de Covid-19, sem nenhuma droga efetiva disponível e com milhares de pacientes internados.

Maia destacou ainda que o grupo desenvolveu uma metodologia inovadora em que os pesquisadores puderam fazer investigação de vários medicamentos simultaneamente, ganhando tempo e diminuindo custos. “Essa é uma força importante desse trabalho, por permitir testar várias drogas ao mesmo tempo com um único placebo. A gente conseguiu economizar tempo, custos e recursos humanos”, finalizou.

Fonte: Agência Einstein

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