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Ester Sabino: “Não há motivos para achar que a vacina não irá funcionar”

Ester Sabino e Luiz Rizzo falam sobre o ano em que a pesquisa ganhou a atenção do mundo

18/12/2020 11h30 Atualizado há 3 anos

Não há possibilidade de evolução civilizatória sem ciência. No ano em que um novo vírus deixou o mundo de joelhos, poucas premissas mostraram-se tão verdadeiras quanto essa. Em homenagem aos profissionais que dedicam a vida a fazer da ciência o caminho para o conhecimento, a Agência Einstein de Notícias publica os perfis de dois médicos/cientistas brasileiros com papéis fundamentais na contínua pavimentação de uma das mais longas e fascinantes aventuras humanas: Ester Sabino e Luiz Vicente Rizzo.

Veja abaixo a entrevista com a infectologista Ester Sabino, uma das responsáveis por sequenciar o coronavírus no Brasil.

Neste link, você conhecerá a vida e os projetos de Luiz Vicente Rizzo,  diretor superintendente de Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein e que acompanha de perto as pesquisas relacionadas ao vírus SARS-CoV-2 e à Covid-19,

Ester Sabino: três décadas dedicadas à pesquisa científica

Por Frederico Cursino, da Agência Einstein 

Seria exagero dizer que a vida de Ester Sabino mudou da noite para o dia. Mas o fato é que, em 48 horas, a professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) alcançou um status inédito em mais de três décadas de carreira. Não que ela tivesse passado despercebida até então. À frente de trabalhos importantes na área de imunologia, contribuiu para o avanço dos estudos sobre a Doença de Chagas e ainda participou dos primeiros sequenciamentos dos genomas do HIV e do Zika Vírus no Brasil – este último lhe renderia inclusive um convite para uma parceria com a Universidade de Oxford, no Reino Unido. Desta vez, no entanto, a repercussão ultrapassou os muros acadêmicos.

No 28 de fevereiro, a médica-pesquisadora, junto a cientistas do Instituto de Medicina Tropical da USP, do qual é diretora, do Instituto Adolfo Lutz e da Universidade de Oxford, anunciou um feito e tanto para a comunidade científica do Brasil: apenas dois dias após a confirmação do primeiro caso da Covid-19 em território nacional, o grupo liderado por Ester e outros brasileiros já havia conseguido sequenciar o genoma do vírus. Um tempo recorde, especialmente considerando que, em outras nações afetadas, a média para decodificação do Sars-Cov-2 havia sido de 15 dias.

Ester é uma das maiores estudiosas da Doença de Chagas no País. Fonte: acervo pessoal.

A rapidez na descoberta foi importante para o início do combate à pandemia no País. Com o mapeamento do genoma, é possível entender o percurso da transmissão e o tempo em que o vírus está circulando em determinada região. São informações essenciais para a adoção de medidas de contenção a qualquer vírus.

Com isso, poucas horas depois do anúncio, o nome de Ester já era citado pelos principais sites de notícias. Ao mesmo tempo, as publicações sobre a descoberta se multiplicavam pelas redes sociais, também como um trunfo para quem defende o apoio à pesquisa nacional.

A façanha rendeu a ela ainda uma homenagem inesperada de Maurício de Sousa, criador da Turma da Mônica, que emprestou os traços da personagem Magali para transformá-la na cientista Ester. Um reconhecimento raro para a comunidade científica no País. “Foi importante porque era um momento em que os cientistas vinham sendo desqualificados”, comenta a pesquisadora, para quem a defesa do investimento na ciência se tornou a principal bandeira após a repercussão do sequenciamento.

“Não consigo entender. É tão obvio que temos pouco recurso… E é uma área tão importante! A ciência é algo que, se você para de investir, depois fica difícil de retomar. Perde-se uma geração, duas… é muito complexo”, explica.

Longo caminho até as pesquisas

Ester vem de uma linhagem de médicos. O pioneiro da família foi seu avô, Manoel de Paula Cerdeira. A geração continuou com a mãe, Stella, que conheceu o também médico Emil Sabino em um banco de sague. Visto que medicina já predominava no DNA do casal, Ester não poderia ser outra coisa: “Fiquei até na dúvida de fazer matemática, mas parecia algo bem longe, então acabei fazendo medicina mesmo. Para mim, era fácil estudar, ia bem na escola.”

Ester com pais e irmãos: medicina no DNA da família. Acervo pessoal.

Só que Ester queria dar os seus próprios passos. Apesar da vocação pela medicina, a então universitária da USP se sentia mais atraída pelos laboratórios do que pelos consultórios ou salas cirúrgicas: “Mas é uma área difícil de se manter sozinha, principalmente no começo. A diferença de uma bolsa para o salário de um médico é muito grande.”

A questão financeira pesou e Ester decidiu-se por concluir residência em pediatria. Atendeu e fez plantões em hospitais, conciliando com os estudos de mestrado e doutorado na USP. Apenas em 2011 conquistou a oportunidade de se dedicar integralmente às pesquisas, depois de ser aprovada num concurso para professora titular na faculdade de medicina onde entrou, como aluna, ainda nos anos 1980. Passavam-se então 15 anos desde que recebera o diploma de médica: “Isso é ruim, porque a fase melhor para a pesquisa é quando se está jovem. Essa falta de oportunidade de ser pesquisador no início da carreira complica um pouco o avanço dos trabalhos no País.”

Chagas é maior desafio

O convite para trabalhar com o sequenciamento do novo coronavírus chegou de forma abrupta, como a própria eclosão da pandemia. Mas Ester e sua equipe já estavam preparados. Desde 2012, o grupo do IMT-USP vinha desenvolvendo o método de identificação de genomas virais, inicialmente durante o surto da dengue naquele ano e, depois, na epidemia do zika vírus em 2016. “Mas, no caso do zika, só conseguimos concluir o sequenciamento quando a epidemia havia acabado. Então, o nosso foco foi melhorar esse timing, para conseguir trazer resultados mais cedo”, afirma.

Mesmo com todo o impacto da Covid-19, a imunologista não considera este o maior desafio de sua carreira. Há anos se dedicando ao estudo da Doença de Chagas, ela diz que a doença, que vitima cerca de 6 mil pessoas por ano Brasil, ainda tem muito mais a ser descoberta do que o vírus encontrado há menos de um ano em Wuhan, na China.

“É uma doença muito negligenciada no Brasil. É difícil ter recurso e foco. É impressionante o que falta fazer”, revela Ester, que no momento é uma das coordenadoras de um projeto de desenvolvimento de biomarcadores para Chagas, que está sendo feito em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Estadual de Montes Claros.

Sua vida profissional, aliás, tem sido ainda mais intensa desde que começou a vivenciar o que chama de “atemporalidade da pandemia”. Além do trabalho sobre Chagas, coordena o sequenciamento do genoma de três mil pacientes de Anemia Falciforme e ainda lidera um estudo de prevalência do novo coronavírus com base em amostras de bancos de sangue.

Foi nesta oportunidade, inclusive, que Ester chegou a cogitar, em setembro, a possibilidade de Manaus ter adquirido imunidade de rebanho contra a Covid-19. Porém, o novo aumento de casos na capital amazonense logo no mês seguinte acabaria afastando a tese. “As análises do banco de sangue haviam mostrado uma prevalência de 66% de contaminados, que é o valor teórico para a imunidade de rebanho para um vírus com essa característica. É um conceito teórico, não quer dizer que a epidemia acaba.”

Ester acrescenta que outras capitais, como Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo, também apresentam índices próximos. Mas o País, no geral, ainda estaria longe da taxa necessária para a imunidade. “Outro problema é saber se eles irão se reinfectar. Pois no momento em que isso acontece, não se pode mais falar em imunidade rebanho”, afirma.

Por isso, ela reforça a necessidade da adesão total à vacina, assim que ela estiver disponível, como a melhor forma de se controlar a doença no País. Ela, inclusive, se mostra bastante otimista com a possível eficácia da imunização: “A menor dificuldade dessa vacina é o fato de o coronavírus não ser tão diverso, algo que não acontece, por exemplo, com a Hepatite C e com o HIV. Se os seus efeitos vão durar ou não, isso vamos ter que esperar. Mas sou muito otimista, porque a vacina bem funcionou em modelos animais e não há motivos para achar que ela não irá funcionar.”

A esperança de Ester é que, em breve, possa retomar o dia a dia no laboratório, já que desde março tem se protegido em casa, de onde coordena os trabalhos em frente ao computador. Também, quem sabe, aproveitar um pouco mais a fama repentina que ganhou. “As pessoas não reconheceram muito [após o sequenciamento], mesmo porque quase não saio de casa, e quando saio, é de máscara. Mas tem bastante convite legal chegando, para eventos, palestras e tenho tentado atender sempre que posso”, completa.

(Fonte: Agência Einstein)

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