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A vida depois do AVC

A reabilitação do paciente que sofreu um acidente vascular cerebral depende de uma equipe multiprofissional especializada. Saiba mais

28/10/2019 17h36 Atualizado há 4 anos

Por Fábio de Oliveira, da Agência Einstein

 

Uma em cada quatro pessoas acima dos 25 anos vai ter um acidente vascular cerebral ao longo da vida, estima a World Stroke Organization (WSO), ou Organização Mundial do Acidente Vascular Cerebral. No Brasil, os dados apontam que são cerca de 400 mil casos por ano, com uma mortalidade que pode atingir 20% dos pacientes. O subtipo mais comum é o isquêmico, somando cerca de 80% das ocorrências. Ele ocorre quando um vaso sanguíneo é entupido por um coágulo, atrapalhando a circulação do sangue no cérebro. Já no hemorrágico acontece o rompimento de uma artéria, com o consequente vazamento de sangue na região. Em muitas situações, isso é fatal. Os principais fatores de risco são obesidade, colesterol alto, pressão alta, fumo, diabetes e sedentarismo.

Os pacientes que sobrevivem a um AVC, popularmente conhecido como derrame, vão necessariamente precisar passar por um processo de reabilitação. As sequelas são semelhantes nas duas formas de apresentação. “Elas dependem da região do cérebro afetada”, diz a neurologista e pesquisadora Gisele Sampaio Silva, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Por exemplo, o AVC isquêmico pode acometer uma artéria pequena, que irriga uma área pouco extensa do órgão ou, em contrapartida, um grande vaso que irriga quase um hemisfério cerebral inteiro. De acordo com a região atingida, as consequências incluem déficits motores, de fala e até de memória.

Prestados os primeiros socorros e com encaminhamento para o hospital, o processo para recuperar as funções cotidianas do indivíduo muitas vezes já começa no período de internação. “Assim que o paciente com AVC entra no Einstein, por exemplo, é acionado um médico de reabilitação. Quando a pessoa está estável, é avaliada para ver se precisa ser reabilitada”, explica Milene Silva Ferreira, médica fisiatra do Centro de Reabilitação do hospital. Quando recebe alta, lhe é dado um plano construído de acordo com suas necessidades. “Não existe reabilitação genérica, igual para todos os pacientes de AVC”, fala a fisiatra. Daí a análise dos casos para a escolha de técnicas específicas para cada momento do indivíduo.

O quanto mais rápido isso se for iniciado, melhor. “Já sabemos que os seis primeiros meses são os mais importantes para a recuperação”, diz a neurologista Gisele Sampaio Silva. “Até um ano há relatos de ganhos importantes.” Há uma espécie de janela de ouro para a reabilitação. É principalmente nessa fase que está ocorrendo a chamada plasticidade neuronal: neurônios não atingidos assumem as funções dos que morreram. Hoje sabemos que também pode ocorrer a neurogênese, ou seja, o surgimento de novas células nervosas, o que até bem pouco tempo não era aceito pela ciência. “Antes, dizia-se que na vida adulta novos neurônios não surgiam”, explica a especialista. “Ainda não entendemos completamente esse mecanismo de neurogênese, mas seguramente ele não é único responsável pela recuperação pós AVC”, conta a neurologista. Em outras palavras, não se trata apenas de um neurônio que vai se encarregar das tarefas daquele que já não existe mais ou do surgimento de novas unidades celulares no cérebro. A suspeita é que esse fenômeno seja múltiplo, envolvendo todas essas reações fisiológicas.

De acordo com a fisiatra Milene Silva Ferreira, a janela de ouro deve ser aproveitada de forma intensa. “A reabilitação tem alguns pilares: ela precisa ser intensiva, específica e repetitiva”, diz. Além disso, é importante que o especialista proporcione vários estímulos. Ao longo dessa fase, o paciente vai experimentar técnicas diferentes. “O tecido cerebral precisa dessa variabilidade, porque senão os neurônios se acomodam”, explica a médica. “Se fico fazendo a mesma técnica de fonoaudiologia ou fisioterapia do começo até o final, o resultado provavelmente vai ser menor.” É um reboot cerebral.

A reabilitação não é só exercício, lembra Milene. “Ela conta com um conjunto de medidas, como medicações que ajudam a acelerar o processo de neuroplasticidade cerebral.” Em algumas situações até cirurgias funcionais são necessárias. “Há uma condição muito comum após o AVC, a espasticidade, que é o aumento do tônus muscular”, explica. O pé, por exemplo, pode ficar totalmente virado e a pessoa não consegue apoiá-lo no chão para andar. Nessas situações, é preciso de uma correção cirúrgica para avançar com a fisioterapia.

Em geral, a equipe envolvida nos cuidados é multidisciplinar, com terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, enfermeiro, neuropsicólogo, além do médico especializado. “A reabilitação acontece quando esses profissionais de alguma forma estão integrados e trabalhando para o mesmo objetivo. Isso depende de um processo e de discussão de equipe”, detalha Milene. Isto é, não adianta ter vários profissionais atuando no caso se não há essa convergência. “Pesquisas mostram que pacientes que têm equipe multiprofissional, mas fora de um processo integrado de tratamento, apresentam um resultado pior”, frisa a médica fisiatra. Infelizmente, essa abordagem com a equipe agindo de forma integrada não é realizada em todas os centros médicos do país.

Outro fator levado em conta durante a reabilitação são as barreiras, como dor, espasticidade e depressão, que podem acometer o paciente. “Se não tratadas, elas retardam todo o processo”, fala Milene Silva Ferreira. A participação do paciente e da família também é muito importante. “Não adianta acreditar só no que a equipe faz durante o tratamento se ele não reproduzir em casa tudo o que é ensinado durante a terapia. Sem isso, dificilmente vai melhorar.” Ela prossegue: “O que temos como meta é fazê-lo, apesar de uma sequela, voltar a ser o mais independente, produtivo possível e ter a máxima qualidade de vida.”

Uma janela terapêutica curta

O socorro deve ser imediato em casos de AVC. Isso aumenta as chances de minimizar as sequelas. “No caso do tipo isquêmico, podemos usar uma medicação trombolítica”, explica a neurologista Gisele Sampaio Silva. “A medicação é capaz de dissolver o coágulo que está causando a oclusão da artéria e, por consequência, os sintomas.” Mas nem sempre podemos usar esse recurso. “Existe uma janela de tempo muito curta para esse medicamento funcionar.” Depois de quatro horas e meia, a chance de a medicação ajudar diminui muito porque o tecido cerebral já morreu. “Como o AVC não dói, os pacientes chegam muitas vezes depois dessa janela de tempo. A mensagem deve ser sempre procurar o hospital com urgência.” Daí o acrônimo SAMU: sorria, abrace e cante uma música. Se a pessoa sorri torto, não consegue dar um abraço porque um dos braços cai e nem cantar porque não é mais capaz de falar, chame o SAMU.

No último ano e meio, informa a especialista, essa janela foi expandida até nove horas depois do aparecimento dos sintomas graças à neuroimagem avançada por meio de tomografia. Os exames mostram exatamente o quanto do tecido cerebral já morreu e auxilia a decidir se ainda vale a pena administrar o trombolítico. Além desse medicamento, pode-se optar também pelo cateterismo para liberar a passagem do sangue. Com a neuroimagem, isso é possível até 24 horas depois de a pessoa apresentar os sinais de um AVC. “Infelizmente, esse procedimento está restrito a poucos hospitais de alta complexidade e requer um protocolo específico, além de equipes com neurologistas e neurointervencionistas que façam o procedimento”, conta a neurologista. Infelizmente, o SUS ainda não paga esse tipo de procedimento, mas muitos esforços pelos especialistas da área e sociedades de especialidade estão sendo empreendidos para que esse tratamento esteja em breve disponível para todos os brasileiros

(Fonte: Agência Einstein)

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