
Surto de chikungunya não possibilitou imunidade de rebanho
É o que mostra pesquisa do Instituto Gonçalo Muniz em Salvador, na Bahia, justamente um dos epicentros da doença no país. Resultado leva a reflexões sobre que tipo de proteção de massa seria possível no caso do novo coronavírus
Por Fábio de Oliveira, da Agência Einstein
Um estudo do Instituto Gonçalo Muniz (Fiocruz Bahia) revela que o surto de chikungunya ocorrido na capital baiana entre junho e novembro de 2015 não propiciou a chamada imunidade de rebanho, ou seja, quando grande contingente de pessoas se torna imune a um agente infeccioso. De acordo com os resultados, apenas 11,8% da população desenvolveu anticorpos contra o vírus causador da doença.
Os pesquisadores analisaram 1776 moradores de um bairro soteropolitano, Pau da Lima. A localidade é marcada por problemas estruturais como baixo acesso a saneamento. A deficiência obriga o armazenamento de água, condição que facilita a propagação do mosquito Aedes aegypti, o transmissor do micro-organismo, ao permitir que o inseto deposite seus ovos na água parada.
Além da chikungunya, o Aedes aegypti também é o transmissor dos vírus causadores da zika, da dengue e da febre amarela. Chamadas de arboviroses, ou seja, enfermidades causadas por arborvírus (vírus transmitidos por insetos ou aracnídeos), elas têm sintomas parecidos: febre, dor muscular, de cabeça, nas articulações e manchas vermelhas na pele que coçam (exantema). Às vezes, é difícil diferenciá-las. Na chikungunya, especificamente, as dores articulares e o estado febril são mais característicos. Zika e dengue são mais assintomáticas.
Além do surto de chikungunya, Salvador sofreu também com a zika em 2105. No primeiro caso, cerca de 12% da população foi infectada. No segundo, a taxa ficou entre 63% e 73% dos soteropolitanos. A diferença pode ser explicada pela competição, dos vírus, por vetores e hospedeiros.
O trabalho da Fiocruz foi realizado entre novembro de 2016 e fevereiro de 2017. “Um ano e meio depois do surto de chikungunya, 88% das pessoas estavam suscetíveis à infecção”, diz o infectologista e epidemiologista Guilherme Ribeiro, orientador da pesquisa, publicada no periódico científico Emerging Infectious Diseases. “Em áreas com melhor infraestrutura e abastecimento de água ocorreram menos casos.”
O que é imunidade de rebanho
O termo foi traduzido literalmente da expressão em inglês herd immunity. Muitos especialistas preferem usar imunidade de grupo. Trata-se da denominação dada quando um grande contingente populacional desenvolve resposta imunológica a um vírus. “É uma defesa biológica que dificulta a circulação do micro-organismo na comunidade”, explica Guilherme Ribeiro. “Até o indivíduo suscetível se protege por causa da imunidade de grupo”, ressalta. Uma das formas de obtê-la é por meio da vacinação em massa – a cobertura vacinal do sarampo, por exemplo, deve ser igual a 95% ou maior para assegurar proteção de rebanho. Também pode ser conquistada quando vários indivíduos se tornam imunes depois de terem uma doença infecciosa.
A expressão imunidade de rebanho tornou-se conhecida nos últimos meses por causa da pandemia de Covid-19. Permanece em discussão a possibilidade de que em pouco tempo seria criada uma proteção massiva contra o novo coronavírus – como resultado da circulação intensa do vírus. Porém, a hipótese não encontra respaldo entre a maior parte da comunidade científica. A razão mais importante é que, até agora, há mais dúvidas do que respostas em relação à imunidade individual desencadeada após a contaminação. Portanto, não é possível inferir qualquer cenário a partir de uma premissa não conhecida.
(Fonte: Agência Einstein)