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Carne vermelha: liberou geral?

Um estudo publicado em uma importante revista científica americana minimizou a recomendação de maneirar na picanha e no bife. Mas foi mal recebido por muitos especialistas. Entenda a polêmica

21/10/2019 00h00 Atualizado há 5 anos

Por Fábio de Oliveira, da Agência Einstein

 

Os fãs de churrasco devem ter comemorado. Os de embutidos como linguiça e salame, nem se fala. Uma grande revisão de estudos publicada na revista científica Annals of Internal Medicine chegou à conclusão de que os benefícios de comer menos carne vermelha e a versão processada são baixos. Ou seja, o alimento não seria tão malvado como apregoam. O New York Times, um dos mais importantes jornais diários dos Estados Unidos, chegou a cravar que a análise poderia influenciar as futuras recomendações dietéticas. No entanto, os resultados do trabalho foram recebidos com uma grita por renomadas instituições, como American Heart Association, American Cancer Society e Harvard T.H. Chan School of Public Health. Cientistas de Harvard, inclusive, pronunciaram-se dizendo que as conclusões da pesquisa prejudicavam a credibilidade da ciência da nutrição e erodiam a confiança do público na pesquisa científica.

Dias depois, antes mesmo dos adeptos de um bife nas refeições se sentirem liberados para caprichar ainda mais na porção diária da fonte proteica, veio a público que o líder do estudo bombástico, Bradley C. Johnston, epidemiologista da Universidade Dalhousie, no Canadá, não revelou que tinha recebido financiamento do International Life Science Institute (ILSI) para outro trabalho. O ILSI é mantido por empresas farmacêuticas, do ramo de agronegócios e do setor alimentício. Publicado em 2016 no mesmo Annals of Internal Medicine, o resultado foi semelhante ao do petardo pró-carne: as diretrizes sobre consumo de açúcar não atendem aos critérios para recomendações confiáveis e são baseadas em evidências de baixa qualidade.

Suspeitas à parte, é preciso entender a base do imbróglio, ou seja, a maneira como foi feita a polêmica pesquisa. Em primeiro lugar, trata-se de uma revisão científica sistemática. Em outras palavras, ela passa pelo crivo várias publicações de autores diferentes que chegam a uma conclusão parecida. Realiza-se também uma avaliação estatística. Para isso, são convocados dois ou três autores independentes que entendem dessa área e de epidemiologia. “O artigo pode ganhar a nota +1 se for de boa qualidade ou -1 se apresentar vieses”, explica a nutricionista Márcia Regina Vitolo, que é professora da Pós-Graduação em Pediatria da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), no Rio Grande do Sul.

Segundo ela, o padrão-ouro em termos de pesquisa é o chamado clinical trial, ou ensaio clínico. Ele tem um objetivo específico, faz uma intervenção (um grupo come peixe e outro picanha, por exemplo) e avalia-se o resultado. Tudo é controlado, inclusive os fatores que podem gerar algum tipo de confusão. Muita coisa está envolvida quando o assunto é dieta: do peso ao nascer às condições socioeconômicas do indivíduo. “Eu me decepcionei com as revisões sistemáticas porque elas em geral não concluem nada, sempre sugerem que mais estudos sejam feitos”, diz a nutricionista.

Márcia Regina Vitolo aponta um erro do estudo americano: colocar carne vermelha e carne processadas, como linguiça, salsicha, mortadela e presunto, no mesmo prato. “As processadas são prejudiciais mesmo. A própria Organização Mundial de Saúde assumiu esse posicionamento”, afirma. Isso porque esse tipo de alimento tem compostos comprovadamente cancerígenos: os nitritos e nitratos. Em relação a picanha, contrafilé e afins, o que pega é quantidade. Os autores também estabeleceram diretrizes, o que é geralmente função de associações ou sociedades de profissionais de saúde.

A nutróloga Andrea Pereira, do Hospital Israelita Albert Einstein, também leu o estudo do Annals of Internal Medicine. De acordo com ela, o trabalho mostra que ainda não há um limite estabelecido de consumo de carne vermelha quando o objetivo é reduzir o risco cardiovascular. “Para câncer, isso já existe: mais de meio quilo por semana”, revela. Caso a pessoa equilibre as fontes de proteína no cardápio ao longo dos sete dias, como frango, peixe, ovos, leite e derivados, dificilmente chegue a esses 500 gramas. E se o tipo processado entra na alimentação juntamente com o de vaca, a ingestão máxima deve ficar em 700 gramas. “Na Inglaterra, a recomendação é de 70 gramas de carne por dia”, acrescenta Márcia Regina Vitolo.

Nem sempre é aquele pedaço de alcatra que pesa na balança. Como lembra Andrea Pereira, uma pessoa pode ser obesa e dar preferência à carne nas refeições, mas isso não quer dizer que o alimento seja o responsável pelos quilos extras. No final das contas, o problema, vale repetir, está no excesso – e isso pode ser aplicado para qualquer comida. Além disso, na hora de comprar, deve-se dar preferência aos cortes mais magros, como fraldinha, maminha e filé-mignon.

Diferentemente das outras carnes, na vermelha o conteúdo, digamos, gordo, está entranhado nela.  Ela também é uma excelente fornecedora de ferro e ajuda a prevenir a anemia ferropriva, principalmente nas mulheres que menstruam. Mas o excesso do mineral também não é bem-vindo, porque pode acelerar o processo oxidativo dentro do organismo, de acordo com o endocrinologista e nutrólogo Durval Ribas Filho, da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran). “Isso favorece o desenvolvimento de doenças crônicas degenerativas”, diz ele.

Atenção no preparo

Quem gosta daquela crosta típica da carne bem-passada, precisa ficar atento. É que durante o processo de preparação em alta temperatura formam-se compostos conhecidos como aminas heterocíclicas e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, que são carcinogênicos. Um cozido também é gostoso, não é mesmo? Maneirar no sal é outra medida: o ingrediente é rico em sódio, que, em exagero, leva ao aumento da pressão arterial. Outra orientação é regrar no uso de óleos, outro repositório de gordura.

Hambúrguer à base de plantas

Ele chegou a grandes redes de fast-food e até aos supermercados. Não leva carne e é feito de planta. Você leu certo. É como se o pedido de vegetarianos e veganos tivesse sido atendido. “A indústria de alimentos está investindo nesse filão”, diz Márcia Regina Vitolo. Mas, segundo ela, a opção também é ultraprocessada. “Se tiver muito conservante e sódio, pode ser um problema”, fala Andrea Pereira. Sem contar que alguns vegetarianos obesos têm maior risco cardiovascular do que quem come carne. Isso porque a pessoa deixa o bife de escanteio e acaba exagerando na ingestão de alimentos ricos em carboidratos, como pães e biscoitos. Moderação, portanto, é a saída.

 (Fonte: Agência Einstein)

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